#004 - A Responsabilidade de Escolher um Lado
Reflexões pessoais sobre o conflito israelo-palestiniano, revisitando os 100 anos de história deste conflito.
Dois povos, duas visões opostas do conflito
Numa curta viagem que fiz a Israel e à Palestina há 10 anos, uma guia israelita apontava para marcas de bala num dos portões de acesso à cidade velha de Jerusalém. Via o orgulho nos olhos dela, fazendo referência à Guerra dos 6 Dias de 1967 onde Israel ocupou a Cisjordânia (incluindo Jerusalém), Faixa de Gaza, Montes Golã e Península do Sinai. Para ela foi o retomar o velho Israel do Antigo Testamento, da Judeia e da Samaria, do Templo de Salomão e da eterna capital Jerusalém. Para o israelita comum esta é a sua terra histórica e têm todo o direito de a tomar para si. Outros que queiram viver no seu território histórico têm de viver segundo as regras que eles definirem.
Em Belém, cidade onde fiquei mais tempo, também vi o outro lado. De quem se sente ocupado na terra onde nasceu e de quem não compreende como povos que imigraram para as suas terras nos últimos 100 anos progressivamente os vão deixando sem nada. O guia palestiniano mostrou na praça central junto da Igreja da Natividade, um conhecido mapa onde progressivamente os territórios ocupados pelos palestinianos vão diminuindo. Pude assistir pelos meus próprios olhos o que é passar diariamente nos postos de controlo entre a Cisjordânia e Israel e a aleatoriedade de humor dos soldados israelitas os controlam.
Não deve existir um conflito que conheça tão bem e que acompanhe há tantos anos. Por vezes releio textos que escrevi há mais de 15 anos. A minha opinião sobre este conflito na sua essência nunca mudou, mas sempre procurei apontar aquilo que é errado independentemente do lado que apoio. Queria expor aqui como vejo este conflito desde que o seu início há 100 anos, o que considero como legítimo e ilegítimo como linhas de pensamento, o papel do terrorismo, o papel dos países ocidentais e países árabes e se este conflito pode ter solução algum dia.
Um conflito que teve um início bem definido
No nosso mundo frequentemente existem conflitos entre duas comunidades que perduram há vários séculos, mas aqui não é o caso. No início do séc. XX não existia conflito israelo-palestiniano. Aquela região onde mais tarde se formou o estado de Israel em 1948 estava sob controlo do império Otomano e a população judaica era muito residual, entre 5% a 10%. É verdade que num passado longínquo os judeus foram maioritários na região, mas num local onde grandes impérios se formaram e se confrontaram, passaram largos períodos sem autonomia política e progressivamente foram formando comunidades no exterior, num movimento denominado de Diáspora. Existiram períodos de forte repressão e ações que pela nossa nomenclatura atual designaríamos de genocídio, como por exemplo após a revolta contra o Império Romano no séc. I (estima-se 1 milhão de judeus foram massacrados) e posteriormente pelo sucessor Império Bizantino (já cristão) que sistematicamente perseguiu os judeus forçando-os à escolha de morrerem ou fugirem. Aquando da invasão árabe do séc. VII a população judaica já era residual, situação que se manteve durante os 1300 anos seguintes.
As populações judaicas, portanto, viveram na sua maioria e durante muitos séculos fora de Israel, em comunidades espalhadas pela Europa, mas também em países muçulmanos no Norte de África e Médio Oriente. Nos países muçulmanos eram tratados como cidadãos de 2ª, mas nada comparado com a perseguição ocorrida nos países europeus, sujeitos a massacres constantes denominados de pogroms e ordens de expulsão. Não admira, portanto, que a ideia de terem um local onde pudessem ter um estado autónomo e livre de perseguição tivesse surgido principalmente nos judeus que viviam na Europa.
O movimento sionista ganhou força na 2ª metade do séc. XIX e também ganhou força a ideia que este estado só poderia ser geograficamente na Israel antiga, local que corresponde às suas origens, mesmo que esse território estivesse sob controlo do Império Otomano e a esmagadora maioria da população fosse árabe. Começaram então as compras de terras naquele território e emigração ainda de forma marginal, mas o grande impulsionador foi a 1ª Guerra Mundial.
Em lados opostos do conflito o Império Britânico e o Império Otomano entram em guerra pelo domínio na região. Os ingleses fazem promessa aos árabes de um estado independente do Império Otomano, mas também prometem aos judeus a criação de um estado corporizado na declaração de Balfour de 1917. Os ingleses não cumprem as suas promessas, dividindo com os franceses o controlo dos territórios árabes após o desmantelamento do Império Otomano e ficam a controlar diretamente a Palestina.
No entanto e pela primeira vez tornou-se mais fácil a emigração dos judeus europeus para a Palestina e rapidamente o seu peso na população aumentou até atingir 30% da população no início dos anos 40. O conflito israelo-palestiniano nasceu aqui. A população de origem árabe opõe-se a esta imigração judaica e também contra a ocupação inglesa que atingiu o seu auge na Revolta Árabe de 1936-39 brutalmente reprimida pelo exército britânico.
O movimento sionista era legítimo?
As populações judaicas na Europa tinham todo o direito de viverem num local onde não fossem perseguidos. Eu até posso entender a perspetiva de um judeu perseguido que esse local deveria ser na região de onde se consideram originários, mesmo que não fossem maioritários nessa região há mais de 1500 anos.
Mas temos de ter um sentido de realidade. Para este projeto seria necessário um estado onde os judeus não estivessem em minoria, teria de ser num estado onde pudessem decidir sem restrições o seu destino. Isto é um projeto incompatível com a vida das populações de origem árabe que aí viviam e que eram maioritárias. Não era possível esse estado sem grandes deslocações de população, não era possível esse estado sem limpeza étnica. É por isso que considero que movimento sionista foi ilegítimo porque só poderia ter sucesso com uma limpeza étnica.
O que foi na realidade o plano de partilha da Nações Unidas. A declaração de independência de Israel (1948)
No início dos anos 40 já estávamos numa situação insustentável. A administração britânica tenta limitar a imigração judaica, enquanto continua a reprimir a população de origem árabe. Mas após o término da 2ª Guerra Mundial, vários países da região como Líbano, Síria e Jordânia tornam-se autónomos, livres do domínio britânico e francês. Adicionalmente com a planeada independência da Índia, a Inglaterra vê eliminada a principal razão para a ocupação de territórios no Médio Oriente: um ponto estratégico no caminho para a Índia. Decide portanto “livrar-se” da Palestina e empurra ao assunto para a recém-criada ONU (Organização das Nações Unidas). É neste contexto que surge o plano de partilha da Palestina entre as populações judaicas e árabes como forma de resolver este conflito.
O principal aspeto que temos de perceber é que não existiam áreas contiguas que permitissem a criação dos 2 estados. No fundo o que se esperava é que criando duas áreas de forma artificial as populações se deslocassem para o território lhes fosse atribuído. Não é algo inócuo e viu-se algo similar na partição da Índia colonial britânica em 1948 com deslocações de milhões de pessoas entre as áreas de maioria hindu e muçulmana. Mas enquanto a Índia e Paquistão eram países territorialmente gigantes, os territórios do Mandato Britânico na Palestina eram minúsculos e sendo 2/3 da população de origem árabe, continuou a opor-se à criação de um estado judeu. Os países árabes da região recém-independentes, opondo-se também a um estado judeu, paradoxalmente também não queriam um estado árabe na Palestina e isso foi um facto chave na guerra inevitável após a declaração de independência de Israel em 1948.
A resolução de partilha das Nações Unidas foi votada em novembro de 1947 e sem surpresa com voto contra de todos os estados árabes e embora a população judaica fosse 1/3 da população ficou com mais de 50% do território. Foi uma solução imposta contra a vontade maioritária das populações que viviam na Palestina e contra a vontade dos países árabes vizinhos. A guerra iria decidir o destino do estado judaico.
As forças judaicas estavam mais bem organizadas e rapidamente controlam territórios muito para além dos concedidos pelas Nações Unidas, que somado a alguns atos de terror, geram um gigantesco movimento de refugiados, permitindo aquilo que era necessário para um estado judaico: um território onde fossem a maioria da população. Sem aquilo que os palestinianos chamam de Nakba, este movimento forçado de limpeza étnica, teria sido impossível o Estado de Israel. Quanto aos estados árabes que também entraram em guerra com o recém-criado estado de Israel, a principal preocupação era ocuparem os territórios que o plano de partilha das Nações Unidas não tinha sido atribuído à população judaica. Temos de ter em conta que são países recém autónomos, ainda preocupados com a consolidação interna de poder. Paradoxalmente têm um gesto adicional que ajuda o recém estado de Israel: perseguem as populações judaicas que viviam, muitas vezes há vários séculos, nos seus países. Sem surpresa fogem em massa para Israel, duplicando instantaneamente a população judaica na Palestina, facilitando a sobrevivência de Israel nesta guerra também demográfica
O que trouxe de diferente a Guerra dos 6 Dias (1967)
A Guerra dos 6 Dias que Israel travou contra o Egito, Jordânia e Síria permitiu consolidar verdadeiramente a independência conquistada em 1948 e ao mesmo tempo expandir-se, passando a controlar a Cisjordânia (incluindo Jerusalém), Faixa de Gaza, Montes Golã e Península do Sinai. Foi um momento de exaltação nacional e finalmente o controlo de regiões com que mais de identificavam na Israel histórica que conheciam da Bíblia no Antigo Testamento, incluindo Jerusalém.
Esta guerra originou uma nova vaga de refugiados, mas na Cisjordânia e a Faixa de Gaza permaneceu um grande número de habitantes e que acabaram por consolidar uma verdadeira identidade nacional palestiniana. É neste novo espírito de resistência que surge a OLP (Organização para Libertação da Palestina) que agrega vários movimentos palestinianos e que se assume como principal força de resistência contra Israel em ações de guerrilha, mas que da perspetiva israelita e dos principais países europeus, foi classificada como organização terrorista.
Israel ficou pela 1ª vez a controlar territórios numa perspetiva de ocupante, populações que nunca poderia atribuir cidadania israelita. Este é um problema que nascendo em 1967 permanece até hoje. No território israelita os habitantes de Cisjordânia e Faixa de Gaza passaram a ser pessoas com menos direitos que os israelitas e sujeitos à discricionariedade de ações de repressão do exército israelita.
A Guerra de Yom Kippur foi mesmo uma vitória para Israel?
A Guerra do Yom Kippur em 1973 foi a guerra mais decisiva na forma como Israel passou a encarar o seu futuro e a sua relação com os seus vizinhos. O ataque surpresa do Egito e Síria apanhou desprevenidos os israelitas com importantes baixas iniciais, em especial na aviação, algo crucial para a sua capacidade de defesa. Sentiram novamente uma ameaça existencial extrema ao estado Israel, de uma forma que não sentiam desde a guerra de independência de 1948. Apesar de no final terem repelido de forma eficaz o ataque, começaram a pensar no futuro e de como não podiam estar constantemente a travar este tipo de guerras e de como precisavam de viver em paz.
Israel chegou à conclusão que não poderia continuar a dar-se ao luxo de ter o Egito, que se tornou uma grande potência regional, como um inimigo permanente nas suas fronteiras. Isto esteve na origem em 1978 dos Acordos de Camp David, mediados pelos EUA, onde Israel devolveu a península do Sinai ao Egito em troca do reconhecimento do estado de Israel e uma promessa de paz. Esta paz com o Egito permaneceu até hoje e Israel deixou ter como inimigo o único país fronteiriço que poderia ameaçar verdadeiramente a sua existência.
Os acordos também tinham disposições para se poder resolver o problema da Cisjordânia e Faixa de Gaza e a médio prazo ter-se uma solução similar onde a retirada israelita destes territórios pudesse ser feita gradualmente e dar-se algum grau de autonomia aos palestinianos. No entanto esta 2ª parte do acordo (que não era mais que um conjunto de intenções) não envolveu a Jordânia e nem a OLP (que para todos os efeitos era considerada uma organização terrorista) e como tal não teve qualquer efeito.
No entanto os acordos de Camp David foram importantes pois marcaram a vitória de uma fação israelita que estava disposta a conceder territórios em busca da paz, incluindo mesmo a Cisjordânia e Faixa de Gaza. Este equilibro e tensão permanente entre uma linha mais dura de Israel que acha que a guerra resolve tudo e outra que acha que a procura a paz com os seus inimigos é a solução final, foi sempre um dos principais dilemas de Israel.
A insustentabilidade da ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza por parte de Israel.
Israel após os acordos de Camp David sentiu que não tinha mais que se preocupar com invasões de países vizinhos, visto que sem o Egito, a Jordânia e Síria nunca seriam ameaças militares sérias. Mas em relação a OLP vê cada vez mais como um inimigo que tem de ser eliminado. Invade o Líbano com 1982 com o pretexto de eliminar bases da OLP no sul desse país. O envolvimento de Israel na complexa guerra civil libanesa, trouxe novos desafios para Israel que ficou a ocupar o Sul do Líbano. O Irão no rescaldo da revolução Islâmica de 1979 transita de um governo pró-ocidental para um estado religioso extremista anti-EUA, anti-ocidente e anti-Israel. Está na origem da criação e consolidação do Hezbollah junto da população xiita do Líbano movimento que passou a opor-se à ocupação militar israelita do Sul de Líbano, embora também tenha feito atentados de grande envergadura contra as Forças de Manutenção de Paz no Líbano como o de 23 Outubro de 1983 onde morreram 241 militares americanos num ataque com camiões suicidas.
A invasão de Israel ao Líbano contra a OLP e acontecimentos que aí ocorreram como os massacres dos campos de refugiados palestinianos de Sabra e Shatila, reforçaram o sentido nacional de palestiniano no sentido de resistência contra Israel. Em 1987 ocorre a primeira Intifada com uma resistência simbólica de jovens palestinianos que atiravam pedras contra as tropas israelitas ocupantes na Faixa de Gaza e Cisjordânia.
A 1ª guerra de Golfo (1990-91) também teve indiretamente impacto no conflito israelo-palestiniano. Os EUA conseguiram o apoio de muitos estados árabes contra o Iraque com a promessa de resolução do problema dos territórios ocupados palestinianos da Cisjordânia e faixa de Gaza.
Israel pela 1ª vez sente que é hora de resolver este problema e procurar dar maior autonomia aos palestinianos da Cisjordânia e Faixa de Gaza e dar mesmo um passo inimaginável até então: fazer paz com uma organização que consideravam terrorista, mas que de facto era o representante dos palestinianos.
Da promessa de paz dos Acordos de Oslo (1993) aos acordos falhados de Camp David (2000). Como falhou a melhor promessa de paz para resolução do conflito?
Esta imagem abaixo não esteve prevista. Bill Clinton “força” um aperto de mãos que não estava planeado entre Yasser Arafat líder de OLP e o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin. Mas para o mundo era o gesto simbólico que consolidava pela primeira vez um acordo entre israelitas e palestinianos com o sentido de obter uma paz definitiva a médio prazo, prevendo estes últimos terem um estado autónomo na Cisjordânia e Faixa de Gaza. Israel deixava cair o tabu de negociar diretamente com uma organização que considerava terrorista e aproveitou também para fazer a paz definitiva com a Jordânia.
Efetivamente os palestinianos começaram a ter relativa autonomia nas denominadas áreas A e B da Cisjordânia conforme os acordos de Oslo e “Autoridade Palestiniana” é o um novo nome que surge neste processo, gerindo esta recém autonomia.
Penso muito nestes 7-8 anos e em tudo o que aconteceu, como foi possível o extremismo dos dois lados terem deitado por terra este acordo. O problema é que os palestinianos tinham muito mais a perder. Lembro-me do massacre ocorrido numa mesquita de Hebron às mãos de um colono israelita e principalmente dos inúmeros atentados suicidas contra civis às mãos do Hamas movimento recém-criado e que tornou praticamente impossível Israel pensar numa retirada dos territórios palestinianos ocupados. O assassinato de Yitzhak Rabin 1995 às mãos de um judeu ortodoxo extremista foi outro rude golpe.
Pensar este período é pensar em “ses”. E se não tivesse ocorrido o massacre na mesquita de Hebron? E se o Hamas não tivesse feito ataques terroristas suicidas? E se Yitzhak Rabin não tivesse sido assassinado?
No meio deste “ses” chegamos a Camp David no ano 2000. Passados 24 anos e vendo a situação agora onde os palestinianos tem uma mão cheia de nada, é mais fácil defender que Arafat deveria ter aceitado o pouco que Israel lhe dava. Mas era um mau acordo para os palestinianos que solidificando a permanência dos colonatos israelitas na Cisjordânia impedia uma verdadeira continuidade territorial para o Estado Palestiniano. Adicionalmente o acordo consolidava o controlo de Israel sobre os recursos hídricos na região e o futuro “estado” palestiniano continuava a não ter controlo da sua fronteira com a Jordânia. Arafat também sabia que era difícil que fosse aceite do seu lado, principalmente como novos atores como o Hamas. Acabou por rejeitar o acordo, para grande fúria pessoal de Bill Clinton, que fez tudo para que acontecesse. Repito que estando em 2024, é fácil dizer que esse acordo era melhor que o “nada” que os palestinianos têm agora, mas nestes jogos dos “ses”, não é claro se esse acordo conseguiria resolver o conflito.
O caminho de destruição de todas as hipóteses de paz. A ascensão de Benjamin Netanyahu e viragem à direita de Israel
Depois do fracasso de cimeira de Camp David nada de positivo voltou a acontecer e entramos numa lenta espiral de degradação das condições para paz. Em Israel vingou claramente a ideia de que a paz era impossível com os palestinianos. Começa-se a construir um muro na Cisjordânia a partir de 2001 para diminuir o nº de atentados terroristas. Segue-se a 2ª Intifada ao mesmo tempo que se expande os colonatos na Cisjordânia a um ritmo cada vez crescente.
Em 2007 o Hamas toma controlo da Faixa de Gaza num golpe, eliminando os elementos da Fatah. Israel que se tinha retirado 2 anos antes deste território, ficou de repente com uma organização hostil a ameaçar o sul do país.
É difícil não associar este período do lado israelita a Benjamin Netanyahu que começando o seu 2º mandato como primeiro-ministro em 2009 continua como primeiro-ministro em 2024. A sua estratégia contra o Hamas foi sempre dúbia. Foi inicialmente um grande opositor à retirada da Faixa de Gaza em 2005, mas a verdade é que viu esta tomada de poder pelo Hamas como uma forma de dividir os palestinianos e diminuir o poder da Fatah. Sempre achou que fazendo operações pontuais em Gaza podia controlar esta movimento extremista, numa lógica de “cortar relva quando esta já cresceu demasiado”. Na Cisjordânia procura expandir ao máximo os colonatos por forma a tornar de facto impossível um estado palestiniano, embora isso acarrete um esforço cada vez mais insuportável ao exército israelita da defesa dos colonatos.
Qual a influência do Irão no conflito israelo-palestiniano?
Quanto abordamos o tema do Irão devemos resistir à tentação de fazer análises simplistas. O Irão no seguimento da Revolução islâmica de 1979 seguiu realmente um caminho extremista, mas a verdade é que depois da guerra Irão-Iraque nos anos 80 não era visto como uma ameaça regional para os restantes países. Mas em 2005 Mahmoud Ahmadinejad torna-se presidente do Irão com uma postura mais hostil ao Ocidente e dando claros sinais de avanço num programa nuclear iraniano, o que fomenta uma onda de sanções ao Irão. No entanto em 2013 torna-se presidente Hassan Rohani, muito mais moderado, que negoceia um acordo com o Ocidente em 2016 onde pela eliminação de sanções desiste do programa nuclear. Benjamin Netanyahu foi um feroz opositor a este acordo, mas todos os dados indicaram que o Irão cumpriu sempre o acordo. No entanto com a subida de Trump à presidência americana em 2016, os EUA deixam de reconhecer oficialmente o acordo, voltando a crescer a hostilidade Irão-EUA
Mas o fator mais importante é o advento da Primavera Árabe e do Estado islâmico (Daesh). A desastrosa intervenção no Iraque dos americanos acabou por favorecer o aparecimento do Estado islâmico que passou a controlar largas porções de território no Iraque e Síria. O Irão considerou que tinha de proteger as populações de origem xiita e através de milícias pró-iranianas deu um enorme contributo para a derrota do Daesh no Iraque. Na guerra civil na Síria o Irão apoia o presidente Assad e reforça o Hezbollah com equipamento militar, movimento que também intervém diretamente na guerra civil síria ao lado de Assad. Este apoio do Irão e também da Rússia permitem virar o curso da guerra, garantindo a vitória de Assad. Algo similar aconteceu no Iémen onde na guerra civil o Irão apoiou o movimento Houti xiita.
Na realidade a influência atual do Irão sobre o Iraque, Síria e Iémen foi fruto das circunstâncias e não algo que tivessem planeado. Mas o Irão sente-se confortável com este novo papel, fomentando a hostilidade dos países árabes da região que se sentem ameaçados. É neste contexto que o Hezbolah cresceu em capacidades militares tornando-se um verdadeiro exército com dezenas de milhar de efetivos no Líbano e uma real ameaça caso entrasse em conflito aberto com Israel, tendo uma capacidade militar muito superior comparada com os conflitos anteriores com Israel. Também o Irão passa a apoiar de forma mais clara o Hamas apesar de não serem xiitas, embora para sermos justos o Hamas teve sempre outras formas de financiamento fora do Irão.
Não tenho problemas em chegar à conclusão de que o Irão se tornou nos últimos 10 anos uma ameaça regional para os restantes países na região. Para Israel ficou de repente com a visão de ter 2 movimentos extremistas apoiados por uma potência regional
Para os países árabes da região esta nova ameaça iraniana, fez com que passassem a ver Israel como o menor dos seus males e muitos procuraram até uma aproximação a este país, sabendo que estavam na prática do mesmo lado no combate da hegemonia do Irão no Médio Oriente.
O 7 de Outubro de 2023 e o impacto na sociedade israelita. A destruição de Gaza
O 7 de Outubro deixou-me perplexo por Israel não o ter prevenido. Mas sempre me pareceu mais provável e mais perigoso para Israel um confronto com o Hezbollah, muito mais forte em militantes e armamento e com nº muito maior de misseis e rockets (e com mais alcance) do que comparado com o Hamas. Para a sociedade israelita, que nunca teve tanta perda de civis num só dia, fez ressuscitar aquele velho sentimento de ameaça existencial. Nada é mais poderoso para unir a sociedade israelita e também nada é mais poderoso para justificar por todos os meios a eliminação dos inimigos.
Para Benjamin Netanyahu fortemente atacado antes deste ataque com suspeitas de corrupção e controlo do poder judicial, este ataque permitiu ter do seu lado a sociedade israelita numa ação de punição contra o Hamas e contra os palestinianos. Não era só combater o Hamas, era castigar coletivamente todos palestinianos que consideravam que estavam do lado do Hamas. Era preciso destruir fisicamente Gaza. Tal plano tem sido sistematicamente aplicado, com total desprezo pelo nº de mortos e feridos civis causados e com total desprezo pelas condições de vida das pessoas deslocadas, sistematicamente dificultando ao máximo a assistência humanitária. Não é por acaso que surgiram as acusações de genocídio que estão a ser avaliadas no Tribunal Penal Internacional. Num período em que as redes sociais estão fortemente consolidadas, esta repressão intensa pode ser testemunhada em direto por todas as pessoas no mundo inteiro. Foi portante inevitável que Israel ganhasse forte censura por parte da opinião pública ocidental e que existisse forte pressão juntos dos governos para maior distanciamento face a Israel. Mesmo o único aliado declarado de Israel, os EUA, pressionou em várias ocasiões para “moderar” as ações em Gaza, embora nunca tenha deixado de apoiar Israel.
Uma paz impossível?
Para responder a esta questão teríamos de entender o que é a “paz”
Para Israel sob direção de Benjamin Netanyahu “paz” é não ter grupos como o Hamas ou Hezbollah a fazer ataques a Israel. “Paz” é ter as populações palestinianas divididas politicamente, reprimidas, controladas e submissas, só tolerando alguma autonomia se estas autoridades continuarem a fazer esse mesmo trabalho colaboracionista. “Paz” é a manutenção do status quo atual, com os palestinianos terem um estatuto legal inferior aos israelitas, sem qualquer perspetiva de um estado autónomo.
A “paz” de perspetiva dos palestinianos não é a destruição do estado de Israel como alguma propaganda israelita repete, mas sim terem um estado autónomo que na Cisjordânia terá de ter continuidade territorial.
A solução de 2 estados é única solução viável a longo prazo, mas precisa de ter 3 condições que não são fáceis de cumprir:
Reconhecimento por parte dos israelitas do direito dos palestinianos a um estado independente. Sabemos que atualmente e de forma oficial o governo de Benjamin Netanyahu é contra a constituição de um estado palestiniano. Mas o problema não é só do governo israelita. O cidadão israelita comum considera que todos aqueles territórios do rio Jordão ao mar Mediterrâneo lhes pertencem. Acha que cada metro quadrado que cedam a um palestiniano é um gesto de boa vontade a que não podem estar obrigados. Este não reconhecimento, de que as populações palestinianas que vivem continuamente há inúmeros séculos naquela região têm direito chamar àquele chão “minha terra” é o principal obstáculo a um estado palestiniano. O inverso, ao contrário de muito propaganda já não é verdade. Israel é reconhecido pela generalidade dos países árabes e pela principal entidade política palestiniana, a Fatah.
Desmantelamento dos colonatos israelitas na Cisjordânia – Um aspeto que é essencial para existência de um estado é continuidade territorial. A política de colonatos israelitas na Cisjordânia torna impossível este objetivo. Este foi um dos principais argumentos para a liderança palestiniana ter rejeitado o acordo apresentado na cimeira de Camp David no ano 2000. Na altura talvez existissem 200 mil colonos israelitas na Cisjordânia; hoje talvez sejam mais de 800 mil. Não é possível um meio termo. Teriam de sair da Cisjordânia para poder existir um estado palestiniano. Israel aceitaria isto de livre vontade? Atualmente é impossível, independentemente da cor política do governo que estiver em Israel
Eliminação de grupos extremistas palestinianos e predomínio de uma liderança moderada – Os israelitas até estão dispostas a “conceder” território se em troca viverem sem o medo de atentados. Tal só é possível se existir uma liderança palestiniana forte mas moderada, como por exemplo a Fatah. Infelizmente muita da política israelita foi no sentido de provocar a divisão palestiniana. Benjamin Netanyahu já tinha confessado que no passado viu como positivo o Hamas ter ficado a controlar Gaza visto que diminuía o poder da Fatah. Mesmo que agora Netanyahu esteja arrependido de ter seguido esta estratégia de divisão, muito do mal já foi feito, pois atualmente a Fatah está totalmente descredibilizada junto dos palestinianos, após anos sem ter qualquer tipo de impacto relevante no seu futuro e através da Autoridade Palestiniana ser mesmo acusada de corrupção. Estes últimos 24 anos desde a cimeira de Camp David tem sido caracterizados por forte repressão israelita, que não tem aberto espaço para grupos políticos moderados palestinianos, mas sem estes existirem de forma dominante, Israel pode usar como justo argumento para não aceitar um estado palestiniano.
Conclusão:
O conflito israelo-palestiniano teve um início temporal e foi criado num curto espaço de tempo de 3 décadas pela administração colonial britânica ao ter apoiado a imigração judaica para a Palestina com a finalidade de criação de estado judaico. Passados mais de 75 anos da fundação do estado de Israel este é um facto consumado reconhecido pelos seus vizinhos árabes mais importantes e pelo principal partido palestiniano, a Fatah. Quem não tem um estado são os palestinianos, porque Israel continua a ocupar militarmente esses territórios, e não reconhecendo os palestinianos como legítimos habitantes daqueles territórios, considerando mesmo que tem o direito de lhes expulsar. A constante repressão israelita, única forma de manter aqueles territórios sob controlo, torna muito difícil a existência de lideranças palestinianas moderadas, o que paradoxalmente torna mais fácil a Israel justificar a necessidade de ocupação sob pretexto de segurança.
Enquanto a comunidade internacional, em especial os EUA não pressionarem Israel para mudar a sua política de décadas nunca poderá existir uma paz justa e definitiva na região, mesmo que atores externos hostis a esta paz como o Irão deixassem de constituir uma ameaça.